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Amor & Emoção x Razão


quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Sofrimento à Luz da Ciência (2)...Escala de Dor


 
Escalas de dor Para compreender o sofrimento humano Existem algumas escalas para classificar a dor, ainda que se reconheça que nenhuma é totalmente fiável. As analógicas com rostos são utilizadas com crianças e adultos que não se exprimem verbalmente. As analógicas de tipo visual mostram usualmente uma linha horizontal de 100 milímetros em uma régua, representando a intensidade da dor sentida por numeração de 0 a 10. São utilizadas, sobretudo, para prescrição medicamentosa, mas podem ser também recurso fundamental para diagnóstico, por exemplo, no âmbito da fisioterapia. Outro tipo de instrumento para classificar a dor – o mais completo, – é o inquérito de McGill-Melzack, que tem sido muito apreciado por tentar avaliar a dor tanto na qualidade quanto na intensidade. As categorias estão distribuídas em vários itens, possibilitando escolha bastante variada por parte do doente: algumas se referem à sintomatologia sensorial, outras à dimensão afetiva, e outras a alguns aspectos particulares. A linguagem utilizada remete ao vocabulário usualmente utilizado por doentes, em vez de se vincular a nomenclatura técnica  .
Classificação A dor pode ser considerada aguda ou crônica (no que diz respeito à intensidade); a primeira é forma de alerta do organismo, diante de agressão mecânica, química ou térmica; a segunda provoca desequilíbrios orgânicos, diminuindo progressivamente as capacidades funcionais das pessoas. A tipologia fisiológica mais comum inclui dor somática, visceral e neuropática. Na primeira temos dores resultantes de danos no “exterior” do corpo, enquanto a dor visceral remete a dores internas aos órgãos (a sintomatologia clássica são as cólicas abdominais). Ambas são da ordem nociceptiva: experiência sensorial que ocorre quando neurônios sensoriais periféricos específicos (nociceptores) respondem a estímulos nocivos, usualmente agudos. Já dores neuropáticas resultam de disfunções no próprio sistema nervoso. O seu funcionamento só começou a ser compreendido no final do século passado . Frequentemente, em situações crônicas, a dor não se localiza na zona da lesão, mas na estrutura nervosa que está afetada (nervos, medula, cérebro, por exemplo), não diminuindo com analgésicos usuais. Se McGill-Melzack classificam a dor como sensorial, afetiva, ajuizadora, Saunders distingue dor de dor total. A primeira diz respeito à dimensão fisiológica, a outra, aos domínios psicológicos, sociais e espirituais associados à primeira . Essa autora verificou que grande parte do sofrimento dos doentes com câncer resultava de conexão entre dor aguda de tipo fisiológico e questões relacionais do próprio doente consigo e com outros (especialmente família e entidades consideradas transcendentes). Muito do que atormenta essas pessoas refere-se a culpa, frustração e impotência perante situações que viveram no passado ou que gostariam de viver no futuro. Assegurar que aqueles que amam se encontram bem e que possuem meios para continuar vivendo bem no futuro é outra das grandes preocupações, assim como o possível propósito ou sentido de sua dor, ou seu direito, ou não, à eternidade. Essa temática pode ser abordada em detalhes pelo estudo dos estágios enunciados por Kübler-Ross , entre outros autores posteriores. A definição de Saunders foi inovadora para sua época e muito importante, pois abriu caminho aos cuidados paliativos. Todavia, sua visão se enraíza epistemologicamente ainda na perspectiva dualista do paradigma mecanicista, ao qual pertence a perspectiva biomédica. Com efeito, a dimensão fisiológica não só é indissociável dos outros tipos de dores, como pressupõe, paradoxalmente, que o todo (a dor total) é igual à soma das partes (vários tipos de dores), hipótese fundamental do mecanicismo moderno . As escalas de dor constituem tentativas de medição de experiência subjetiva, e quando não são manejadas por usuários, mas por profissionais de saúde (enfermeiros, usualmente), sua credibilidade diminui imensamente. Sua vertente quantificadora permitiu ainda a elaboração de protocolos analgésicos para cada item numérico das escalas, que costumam ser ineficazes nas doenças autoimunes, pois o tipo de dor a elas associado não diminui com a medicação protocolada para o nível e a intensidade assinalados pelos usuários . A maior parte das dores presentes com essas doenças (fibromialgia, lúpus etc.) é de tipo neuropático, podendo haver intensidade diferenciada em várias partes do corpo no momento em que as dores são avaliadas com escalas, por exemplo. Assim, conforme a compreensão das dores neuropáticas aumenta, maior deveria ser a sensibilidade dos cuidadores profissionais para a subjetividade inerente a qualquer forma de dor. Saber escutar e conhecer bem o usuário, pelas suas narrativas, produz melhor conhecimento sobre a dor de um indivíduo do que qualquer forma de medição de dor .  Diferentes culturas possuem diferentes concepções acerca do sofrimento. Por exemplo, a cultura budista o encara, e sua função, de forma integrada à vida quotidiana das pessoas. Na nossa cultura foram surgindo, ao longo dos tempos, variadas formas de entendimento sobre sofrimento e o modo de senti-lo. Mesmo que o abordemos numa época histórica precisa, como a atual, podemos encontrar mais de uma conotação; por exemplo, como mencionado, associa-se geralmente à dor. Definição Diante das múltiplas definições, optou-se pela definição clássica de sofrimento no mundo da saúde, enunciada por Cassell , pois permite elucidar determinadas experiências de sofrimento nem sempre avaliadas como tal. Assim, genericamente, sofrimento é um estado de aflição severa, associado a acontecimentos que ameaçam a integridade (manter-se intacto) de uma pessoa. Sofrimento exige consciência de si, envolve as emoções, tem efeitos nas relações pessoais da pessoa, e tem um impacto no corpo. Essa situação existencial de aflição grave verifica-se naquilo que a pessoa identifica com seu interior, usualmente associado a emoções, como ansiedade, e a sentimentos, como tristeza, frustração, impotência etc. O fato de tratar-se de vivência interior torna possível que não seja sempre detectável por um observador. O sofrimento surge sempre associado a eventos, sobretudo externos (outras pessoas, doença, desemprego, perda de ente querido etc.). É importante realçar, no entanto, que o estado de aflição severa é sentido interiormente; daí ser usual a hipótese de haver algum dano em órgão interno, como no coração, no fígado etc. Quando isso acontece, mesmo que exames auxiliares de diagnóstico nada identifiquem, profissionais de saúde devem ter muito cuidado antes de concluir que nada ali lhes diz respeito. Ainda que a causa do sofrimento possa ser considerada exterior, não se pode confundi-la com o efeito produzido (o sofrimento), tampouco reduzi-lo àquela única causa.
Dimensão holística do sofrimento Grande parte do sofrimento do doente relaciona-se a outros fatores para além de seus problemas fisiológicos. Uma pessoa diagnosticada com doença sente-se fragilizada, ou pensa que deveria sentir-se assim; acredita que tem limitações de tipo fisiológico usualmente descritas por profissionais de saúde. Essa situação afeta o modo como se alimenta, se movimenta, interage consigo e com outros. Estados de humor menos positivos usualmente se manifestam em pessoas doentes, e, no que se refere a portadores de doenças crônicas, não é pequena a possibilidade de atingirem estados depressivos. É comum sentirem-se insuficientemente apoiados, não levados a sério etc. O doente tem também preocupações de tipo comunitário que podem causar grande aflição, dado que sua ausência (temporária ou definitiva) acarreta dificuldades a sua família, à empresa em que trabalha, aos amigos que o apoiam etc. Os problemas vividos (ou postulados) pelo doente prendem-se às funções que ocupa socialmente, não somente a sua doença. Como exemplos, é possível que o enfermo seja o suporte emocional fundamental de alguém – como filho, companheiro, amigo, pai ou avó – ou que as despesas da casa dependam do salário do doente incapacitado de laborar. Estar doente pode ainda obrigar a interrogações sobre o sentido da vida e da morte, do que fazemos aqui, bem como sobre o que deveríamos fazer; será que estamos em trânsito para outra dimensão ou essa é a última etapa de outras que nos precederam? Inquietações filosóficas que assaltam qualquer ser humano em momentos em que o fim passa a ser vislumbrado , tal como nos lembra Tolstói: Mas que estou eu para aqui a arengar: Qual o fim da existência? Não pode ser. É impossível que a vida seja tão absurda e repulsiva. E se o é, para que morrer, e morrer entre sofrimentos?  Tudo isso faz parte da aflição intensa que uma pessoa doente suporta, mas com a agravante de todas essas questões existirem pouco arrumadas categorialmente, vibrando ruidosamente dentro dela. Essa multiplicidade de anseios, tristezas, dores, frustração, cria usualmente desânimo, sensação de total impotência diante da própria vida e daquilo que lhe confere sentido: aqueles a quem amam reciprocamente. A sensação de desintegração interna é real e muitas vezes acompanhada de sensações viscerais. As pessoas, muitas vezes, descrevem que estão a “engolir a si próprias”, ou utilizam metáforas do mesmo tipo. Essa desidentidade manifesta-se fisicamente também pelo emagrecimento súbito e acentuado, pois o sofrimento corresponde por vezes a desistência de lutar, abandono dessa pessoa – que já não se reconhece como “eu”  – ao seu destino: Como se acabasse de dar início a um processo de despersonalização, eu tinha-me transferido para um sujeito na terceira pessoa.  Muitas vezes, porém, o sofrimento ocorre sem qualquer ligação com doença fisiológica. Alguns fatores socialmente atribuídos ao sofrimento são luto pelos que amamos, impotência, abandono, tortura (emocional, por exemplo), desemprego, traição, isolamento, falta de abrigo, perda de memória e medo . Existem, contudo, muitas outras situações, como estar apaixonado por quem nos rejeita. Sendo o sofrimento experiência subjetiva, podemos viver em sofrimento situações que não causam qualquer tipo de aflição a outras pessoas: quem sofre o meu sofrimento sou eu só e mais ninguém, lembra- -nos António Gedeão. A especificidade subjetiva do sofrimento humano verifica-se também pela possibilidade de ocorrer a partir de qualquer dimensão, ainda que quem sofra seja a pessoa no seu todo. Pessoa e sofrimento Ao afirmarmos que quem sofre é a pessoa e não um corpo (ou órgãos, ou células de corpos), não identificamos uma pessoa com sua mente. Vivemos numa época fascinada com as capacidades mentais humanas e suas funções. A ciência do micro sonha em descobrir mecanismos que desvendariam caminhos e ordens mentais que no paradigma científico atual se crê estarem na base de toda a atividade humana. Mas essa é, mais uma vez, uma concepção mecanicista moderna que nos faz esquecer que a mente (seja lá isso o que for, pois não há unanimidade sobre o assunto) funciona num cérebro que habita um corpo. Existem, obviamente (e como sempre aconteceu), cientistas que tentam demonstrar que essas crenças podem ser modificadas, mas são minoria, pois nos dias de hoje – como nos lembra Feyerabend  – ser cientista e se posicionar contra o paradigma dominante exige tanta coragem como no tempo de Galileu. Assim, alguns neurocientistas têm demonstrado que a consciência de si, necessária para a experiência do sofrimento (mas não para a da dor), emerge do funcionamento holístico do corpo humano , no qual o cérebro imerge numa rede neural contínua . O sofrimento humano produz-se nessa rede, afetando todo o ser da pessoa acometida, ainda que possa incidir com mais força numa determinada dimensão (emocional, fisiológica, espiritual, ético-moral etc.) . Cuidar de alguém em sofrimento implica se relacionar com todas as suas dimensões, e não apenas com a fisiológica, como no caso das dores nociceptivas.
(Cont...)
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v24n2/1983-8034-bioet-24-2-0225.pdf

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